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Reflexão jurídica sobre a economia compartilhada no Brasil


Os avanços tecnológicos impactaram diretamente o setor econômico de muitos países, fazendo com que os modelos de negócios fossem repensados e transformados, bem como, criando possibilidades de explorações econômicas antes inimagináveis e difundindo a ideia de transformação de um determinado mercado ou setor pela ruptura com um antigo modelo de negócios e a implementação de novos conceitos, tais como a conveniência, a simplicidade e a acessibilidade, dando origem as chamadas inovações disruptivas, que tem delineado importantes e significativas mudanças no mercado brasileiro, trazendo à tona um estilo de consumo mais sustentável e, por vezes, mais acessível.

As inovações disruptivas adotam, dentre outras formas, a tendência do consumo colaborativo, também chamado de economia compartilhada, que somada ao uso da tecnologia como um dos pilares do desenvolvimento do negócio permite a criação e/ou remodelação de produtos ou serviços, tornando-os inovadores e acessíveis a um maior número de consumidores, criando, consequentemente, a vantagem competitiva no mercado daqueles que investem nesse sentido. No Brasil, já são inúmeros exemplos de plataformas digitais de economia compartilhada, tais como a Uber, o Airbnb, o 99 Táxis, DogHero, Netflix, BlaBlaCar e entre outras.

Se de um lado a ideia de economia compartilhada é aplaudida por muitos por difundir a colaboração entre os consumidores, seja no empréstimo de bens ou compartilhamento de serviços ou custos, que se justificam pelo aumento crescente do consumo em todo o planeta e a preocupação com a escassez de recursos pelo uso e exploração desenfreados do atual estilo de consumo. Do outro lado, a ideia de inovação disruptiva trazida pela economia compartilhada causa o alvoroço no mercado econômico face às drásticas mudanças ocasionadas para os agentes que até então estavam estabelecidos no mercado, como é o exemplo dos setores de hospedagem e transporte individual de passageiros que com o lançamento das plataformas Airbnb e Uber, respectivamente, viram o mercado de atuação diminuir em razão da preferência pelos consumidores dos serviços ofertados pelos então concorrentes.

Nesse contexto, as mudanças trazidas pela tendência da economia compartilhada fomentam diversas discussões acerca do impacto que tais modelos de negócio têm no âmbito jurídico brasileiro, trazendo em voga questões como a efetiva tutela dos direitos do consumidor, a proteção e privacidade dos dados coletados pelas plataformas prestadoras de serviço, a responsabilidade dos usuários e dos provedores, bem como questões atinentes ao próprio desenvolvimento de alguns modelos de negócios se comparados à burocracia e regras que se submetem aqueles que já exerciam a mesma atividade, exemplificado pela batalha travada entre os taxistas e a Uber, na qual os taxistas alegam que os motoristas da plataforma devem ser submetidos a mesma burocracia e regras as quais estes devem observância, sob pena de configurar concorrência desleal e, ao que parece, a legislação brasileira caminha nesse sentido, é o que indica o Projeto de Lei Complementar 28/2017 que está em votação e se aprovado proibirá que veículos particulares realizem o transporte de passageiros no país, obrigando, portanto, que os motoristas das plataformas como a Uber, Caliby e 99 Táxi obtenham autorização para o transporte de passageiros.

Há diversos outros projetos de lei no Brasil sendo discutidos que objetivam em sua esmagadora maioria frear o avanço tecnológico ameaçador aos negócios já existentes com o estabelecimento de regras que engessem o negócio ou inviabilizem a continuidade se considerado que as plataformas representam nesses modelos de negócio meras intermediárias entre os interessados no compartilhamento de bens e serviços. Contudo, é inegável que a matéria precede de regulamentação especifica, a fim de que possa conferir aos empreendedores o mínimo de segurança jurídica, a fim de evitar futuramente a restrição ou inviabilidade do negócio por meio de leis esparsas e muitas vezes cunhadas apenas nos interesses econômicos e no clamor da parcela prejudicada ou ameaçada pelas inovações disruptivas.

Não é de hoje que a legislação brasileira encontra problemas em acompanhar a dinâmica de desenvolvimento tecnológico, entre acertos e tropeços na aprovação de textos legais no auge de discussões acaloradas e sem a atenção devida a tecnicidade inerente a própria natureza da tecnologia da informação, o fato é que a omissão legislativa, ou pior, a promulgação de leis restritivas e demasiadamente onerosas aos empreendedores, pode significar o fechamento do mercado brasileiro para empresas de inovação.

A Lei nº. 12.965 de 2014, batizada de Marco Civil da Internet, estabelece em seu artigo 2º como fundamento para o uso da Internet no Brasil o respeito a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor, bem como a finalidade social da rede, coroando no artigo 3º como princípio a preservação da natureza participativa da rede e a liberdade dos modelos de negócios promovidos na Internet, ressalvando que, para tanto, tais modelos não conflitem com os demais princípios estabelecidos na mesma Lei. Contudo, a simples positivação de tais diretrizes não permite que se estabeleça a segurança jurídica almejada para o desenvolvimento das inovações disruptivas no ambiente digital, sendo que um dos principais pontos a ser considerado é o papel jurídico das plataformas digitais e quais são os seus deveres e direitos nas relações travadas em nos modelos de negócio, sendo certo que os conceitos existentes no direito não se aplicam coerentemente no que tange a permitir sua atuação como mera intermediária de forma que a atividade não seja onerosa ou inviabilizada pela legislação.

Outra importante preocupação a ser considerada em matéria legislativa é quanto a proteção da privacidade e dados pessoais dos usuários das plataformas, tendo em vista que embora o Marco Civil da Internet trate pontualmente da matéria, carece o ordenamento jurídico brasileiro de uma legislação específica sobre o tema, sendo importante destacar que neste sentido há projetos de lei que estão sendo discutidos com a finalidade de criar uma lei geral de proteção de dados.


Deste modo, a economia compartilhada tem se mostrado uma importante mudança no estilo de consumo ditado até então pelo consumismo desenfreado do sistema capitalista e na prática representado modelos de negócios atrativos para os consumidores, tendo cumprido o importante papel de conveniência, simplificação e acessibilidade, tornando o mercado mais competitivo o que reflete não só na melhoria dos produtos e serviços ofertados como também em seu custo e benefício, tudo isso possível graças aos avanços tecnológicos que devem e estão sendo utilizados para inovar e desenvolver novos padrões e conceitos para a vida em sociedade. Contudo, é inegável que a mudança trazida pelas inovações disruptivas representa para o mercado econômico preocupações que devem ser levadas em consideração pelo legislativo, no que tange o estabelecimento de regras e regulamentações que tenham como objetivo harmonizar os impactos gerados pela utilização da tecnologia e a difusão da ideia da economia compartilhada, sem que, para tanto, engesse ou inviabilize os modelos de negócios que se propõem a inovar nesse sentido.

*Artigo publicado originalmente em Espanhol no site Chileno Idealex.press

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